Benjamin Teixeira
pelo espírito
Temístocles.

A criança pede, cobra e reclama. Não dá. Chora, esperneia, grita.

O adulto dá, e cobra, em seguida, uma retribuição. Não chora: argumenta, negocia e, não obtendo o que deseja, rompe a relação de troca, para estabelecer, alhures, com outrem, nova relação de permuta.

O anjo dá, e já recebeu, no ato de dar. Não reclama, não cobra, não negocia, não exige absolutamente nada em compensação pelo que fez, porque já está satisfeito no próprio mecanismo de dar, alimentado pelo próprio altruísmo.

Todo ser humano, tem uma medida maior ou menor de cada uma das fases. Todavia, há situações híbridas que demonstram desequilíbrio. Uma delas, a mais comum, é aquela de quem dá pouco e quer receber muito: um adulto infantil. Ou, a que mais queremos focar aqui: a de quem dá muito e quer receber de quem não quer dar. É a vítima sacrificada, ao passo que a primeira é a vítima infantil. A vítima sacrificada não é um bebê chorão: é um monstro perigoso. Dá muito, para que tenha autoridade de cobrar, e exige a relação de troca com quem não a quer.

Se eu dou a alguém e alguém não me retribui, não sou uma vítima. Sofri uma fatalidade, uma experiência natural no mundo adulto da troca, de não receber o que aguardava em uma relação. Cabe-me, então, deixar claro os motivos da rescisão contratual (nesse contrato tácito entre as partes envolvidas, na permuta de interesses e valores) e passar adiante, para novo jogo relacional, com outros sujeitos. Se, porém, eu insisto, não sou uma criança, mas também não ajo como um adulto saudável: sou um tirano, um déspota, que a pulso quero me impor a quem não me quer, não me deseja, me rejeita. Não sou um pobre coitado, sou um lobo devorador, o pior tipo de lobo: porque sou hipócrita, dissimulando minhas intenções com aparência de virtude, exigindo submissão da parte que me interessa, ignorando o livre-arbítrio, o direito, a vontade, a existência do outro: só eu importo e não o outro. Por isso cobro, manipulo, choro e me mostro esgotado, instigando a culpa em minha vítima. O outro, sim, provavelmente, uma vítima infantil, porque não percebe (conscientemente) o jogo, e se conforma, não me expulsando sumariamente de sua vida, como faria um adulto saudável, maduro, e assim adaptando-se ao sistema – porque o agrada – de muito receber, dando pouco ou nada em troca.

Estejamos atentos para os sub-reptícios jogos de poder nos relacionamentos interpessoais. As aparências enganam. Melhor estejamos conscientes do que estamos querendo em troca, do que nos iludirmos, julgando-nos anjos antes do tempo. Já estamos, sim, desenvolvendo a semente do deus dentro de nós. Assim, o altruísmo se avulta, o espírito de solidariedade e piedade gratuitos, sem qualquer intenção embutida de retribuição. Mas toda vez que nos julgarmos totalmente despojados de interesse pessoal, estando ainda na condição humana, isso é seriamente suspeito. Podemos estar totalmente possuídos pela ilusão tirânica do pobre mártir devotado, mas sempre mal-humorado, tristonho e doente, espalhando culpa, medo e rancor por onde passa. O verdadeiro santo nunca é triste ou macerado. É feliz, porque dá e se satisfaz em dar. Se vivo carregando cruzes e deixando isso claro para quem passa, não sou um anjo, sou um demônio, um simulacro patético de santidade, uma enfermidade psicológica ambulante, uma pústula horrenda de moralidade falsa, de bondade mentirosa.

Mamãe que dá para parecer boa não é mãe responsável. É egoísta e diabólica. Está destruindo o futuro do filho, ao se preocupar com a imagem que cria nele a seu respeito, e não em educá-lo. Muito justamente, bem provável que seja punida pela ingratidão, porque viciou o filho em receber, sem dar devidamente.

Esposozinho bom não vive a cobrar tributos de gratidão e obediência. Ou não é bom, e sim um sedutor barato e mesquinho que se esconde por detrás da capa de bom moço, para melhor cooptar sua vítima.

Papai que diz que devo seguir a profissão que ele determinou, senão sou ingrato, não é um pai consciencioso: faz-me de fantoche em suas mãos (para realização de seus sonhos pessoais) e acha que tenho o dever de agir como tal. Ou sou uma marionete ruim, porque (horror!), ajo como gente (que ousadia, depois de tantos anos de sacrifício!), e, assim tenho vontade, opinião e aspirações próprios!

Que cada um olhe para si, tentando enxergar suas atitudes dominantes. Temos um pouco da criança, da vítima indefesa, da vítima cobradora, do anjo ou do semi-anjo, no íntimo de nós mesmos. Uns mais um, outros mais outro, mas todos um pouco de cada qual. Que sejamos suficientemente honestos com nós próprios, para enxergarmos, com lucidez, sem disfarces, o que realmente somos, o que realmente pretendemos em cada relação e em cada situação específica de uma relação, a fim de que possamos não só melhorar como pessoas, evoluindo psicológica e moralmente, mas até para que tenhamos vidas social, afetiva, familiar e amical mais satisfatórias, menos frustrantes e decepcionantes, porque mais sinceras e, assim, por conseqüência, mais felizes.

Não existe santidade sem sanidade. Que cada um pense nisso com o máximo cuidado, para não acabar sendo culpado até por muito dar, quando não era para só dar, mas sim dar numa relação equilibrada de dar e receber, conforme o grau personalíssimo de evolução que se atingiu, a fim de não engendrar relações viciosas, não só prejudiciais a quem dá, mas principalmente a quem recebe sob pressão.

(Texto recebido em 23 de agosto de 2002.)

(*) No sábado próximo passado, retornamos a atualizar mensagens também em fins de semana e feriados, conforme pedido dos Mentores Espirituais. Para ler as mensagens que foram colocadas no ar, tanto a de sábado, como a de domingo, selecione-as, em “mensagens anteriores”.

(Nota do Médium)