(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Eugênia, se entendi bem, em nosso último diálogo trazido a lume, você declarou ser plausível a sustentabilidade moral da bigamia ou da poligamia. Posso me dar ao luxo de discordar dessa sua postulação?
(Eugênia-Aspásia) – Você está se antecipando a conclusões que não apresentei. Se retornar ao texto dialogado, notará facilmente que, em resposta à sua própria provocação, afirmei – tão só com um “sim” – ser “necessário” o intercâmbio de natureza sexual, em certos casos de sinergia psicológica entre pessoas muito afinadas, o que compreendemos metaforicamente como uma espécie de casamento de almas.
Considerar algo necessário está bem longe de dizê-lo desejável, elogiável, bom ou nobre. Presídios são necessários, assim como hospitais, centros de tratamento psiquiátrico, quartéis generais, departamentos de polícia. E, embora muito pouco palatáveis a personalidades mais sensíveis, essas instituições não deixam de ser ainda absolutamente imprescindíveis, mesmo à sobrevivência da vida em sociedade.
Seguindo essa linha de argumentação, juristas de alta respeitabilidade moral chegaram a defender, com verve e acato geral, em tempo remoto, que até prostíbulos prestavam um serviço social indiscutível, por absorverem os desatinos da instintividade mal governada de alguns cidadãos, preservando, dessarte, “moças de família” da “fúria lupina” de “mancebos descontrolados”…
(BTA) – Nossa, Eugênia, que alívio!… Você saltou de um polo, que me parecia de vanguarda quase delirante, para o extremo oposto, de uma confortável sensação de conservadorismo tranquilizador… Perdoe-me, mas fiquei um pouco perturbado com suas assertivas ou insinuações no diálogo anterior… Com toda a deferência que Carl G. Jung nos merece, não vejo como respaldar, em termos éticos ou espirituais, e até mesmo de consideração para com os sentimentos alheios, a manutenção de mais de um vínculo afetivo-sexual, conquanto reconheça que tal prática possa constituir uma contingência quando, por exemplo, um casal esteja na transição para o término do relacionamento…
(EA) – Você está novamente se precipitando em inferir corolários ou fechamentos temáticos que não enunciei. O fato de eu negar haver afirmado não implica posicionamento algum de minha parte, nem descarta a possibilidade de eu ter um entendimento que não deva ser explicitado no momento. Reservo-me o direito de não externar mais claramente o parecer de Nosso Plano acerca do assunto. Os dias atuais não são propícios a essa ordem delicadíssima de cogitações. O tema “sexo” é por demais ferido, neurótico e prenhe de tabus… Basta-nos evocar o postulado de que somente o amor importa, em qualquer reflexão sincera sobre relacionamentos interpessoais.
(BTA) – Só isso, Eugênia?
(EA) – Sim, desculpe-me. Não posso prosseguir.
(BTA) – Mas isso não pode ser perturbador para os(as) admiradores(as) de nossa escola de pensamento?
(EA) – Não se forem cristãos(ãs) legítimos(as). Temos primado por pautar nossas proposições filosóficas e comportamentais, morais e psicológicas1 pela mensagem sumamente antipreconceituosa de Nosso Mestre Jesus. A propósito, no Evangelho de Lucas (7:36-50), o Cristo mostra-Se compassivo com a “mulher pecadora” que “muito amava”, dizendo-a perdoada, sem lhe pedir que suspendesse o comportamento tido como “pecador”. Com isso, o Verbo da Verdade deixa em aberto se realmente era errada aquela conduta contrária às convenções ou se o próprio equívoco, em sendo assim interpretado, perdia qualquer importância, em virtude do “muito amar”.
Essa passagem já é suficiente para oferecer uma irretorquível amostra do quanto precisamos superar nossos paradigmas de moralismo conservador e puritanismo hipócrita, para que a verdadeira espiritualidade brilhe em nossos corações, como fanal de uma Era Nova, em que a fraternidade e a felicidade reinarão pujantes, em que atitudes discriminatórias e condenatórias jamais gozarão de aprovação pública, em que a indulgência se casará à ação reabilitadora, com o fito de fomentar a cura, a educação, a transformação de indivíduos, de comunidades e, por fim, da humanidade inteira…
(BTA) – Posso expor-lhe uma última questão?
(EA) – Sim.
(BTA) – Imaginemos que alguém discorde do que supõe estar você propugnando, sobre este ou outro tema qualquer. Há algum problema se essa pessoa preservar um ponto de vista diverso do seu, apesar de continuar consultando suas páginas ou canalizações públicas?
(EA) – De forma alguma. Tal postura indicaria inclusive um traço de maturidade psicológica e altura filosófica em sua ótica de mundo. Numa sociedade civilizada e entre criaturas que se digam esclarecidas, é garantido como vital o espaço ao debate, à discordância, à ambiguidade, à diversidade de abordagens e perspectivas, à livre perquirição sobre a complexidade das matérias ventiladas. Ademais, não devemos nos esquecer de que o discurso de nossa organização se manifesta, no domínio físico, por meio de um oráculo medianímico, com as naturais complicações inerentes ao processo, como interferências do inconsciente do porta-voz encarnado, limitações do vernáculo utilizado e a própria circunstância evolutiva dos(as) primeiros(as) destinatários(as) do texto lavrado por via supranormal.
Ainda que a ponte mediúnica fosse ignorada ou mesmo não existisse, caso, digamos, eu estivesse reencarnada, cabe ao(à) educando(a) sempre manter em mente a minha condição de mestra espiritual, que frequentemente me autoriza a fazer uso de métodos propedêuticos heterodoxos, mediante os quais posso, muito bem, estar apenas provocando os(as) prezados(as) leitores(as) e não articulando afirmações simples ou objetivas, como alguns(umas) julgam vislumbrar em minha fala, talvez pelo excessivo respeito que me votem.
Que cada um(a) utilize, em sua existência, continuamente, como filtro da verdade, a própria consciência. Somente a voz íntima da intuição, geminada à razão e à percepção pragmática do sensato, justo e bom, poderá inteligir os mais apropriados resultados de ponderação sobre determinadas questões, em dada época, lugar e agrupamento humano. Espíritos amadurecidos naturalmente aceitam a relatividade de conceitos como um princípio perene, ajustando, com equilíbrio, responsabilidade e também abertura ao novo, cada ideia à conjuntura e contexto contemplados, sobremaneira em função dos benefícios que, a médio e longo prazos, possam ser promovidos na vida de quem a aplique ou lhe sofra a influência.
(BTA) – Brilhante, Eugênia!…
(EA) – Sábio, meu filho, conforme me inspiram a dizer Aqueles(as) que estão acima de mim. Sou Canal da Voz do Cristo, como toda a Espiritualidade do Bem que se comunica mais ostensivamente com a Terra, desde o início do “Novo Pentecostes”2. E, a despeito das resistências dos(as) receptores(as) mediúnicos(as), quase sempre crivados(as) de ignorância e preocupação em agradar seus grupelhos de amigos(as) e correligionários(as), prosseguimos no cumprimento de nossa missão de catalisadores(as) evolutivos(as), enxertando concepções e valores que favoreçam o despertar, o aprimoramento e a transcendência de pessoas e coletividades, a fim de impulsionar a marcha do progresso humano.
Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
30 de outubro de 2008
1. Digno de nota o fato de o Espírito Eugênia distinguir os campos “psicológico” e “comportamental”, por entender que o primeiro é mais amplo que o segundo, embora, em ambientes acadêmicos, costume-se fazer certa confusão dos conceitos.
(Nota do médium)
2. Alusão ao advento do Espiritismo, com a codificação kardequiana.
(Nota do médium)