Benjamin Teixeira
por um espírito anônimo.
Eu era criança e precisava de amor. Em vez disso, vocês me espancaram e me negaram afeto, atacaram-me o moral, desrespeitando meu senso de dignidade pessoal, dizendo-me inútil e decepcionante, em todos os sentidos, abusando de mim de todas as formas que eram possíveis a um ser humano.
Foram carinhosos com outras crianças, na minha presença, e, ao mesmo tempo, me rejeitaram, desprezaram e humilharam. Ante o espetáculo da consideração e atenção, carícias e incentivos que outros recebiam, mas que me eram negados, minha dor era terrivelmente intensificada, a ponto de me fazer sentir-me um dejeto vivo, uma excrescência humana. Se ninguém recebesse ternura, nada seria de estranhar. Mas por que todos mereciam manifestações de apreço e eu não? Para completar, disseram-me que era minha a culpa, que ninguém, nem mesmo Deus, poderia gostar de mim, uma aberração aos olhos dos familiares, do mundo e do Criador: o monstro, o culpado, o imprestável, a causa da infelicidade dos meus próprios perseguidores – a mais mórbida e trágica das ironias injustas que padeci…
Frente a tudo isso, poderia me converter num facínora, ou ao menos numa pessoa rude, amarga ou viciada. Contudo, a Mão de Deus, misericordiosamente, interveio largamente, e me tornou mais sensível à dor de meus semelhantes, fazendo-me, com isso, um canal de socorro a muitos, pela múltipla cátedra a que fui encarapitado, por meio da experiência de vida, nas desgraças da condição humana. E, sim, fiz uma escolha: optei pelo amor, e não pelo ódio, indiferença e mesquinharia que me foram entregues, sistematicamente, como ração psicológica diária, ano sobre ano, durante toda a infância, passando pela adolescência, até chegar à fase adulta, quando, por fim, me revolvi por dar o amor que nunca recebera…
Obrigado, Senhor, por me ter ofertado a bênção da vida e das oportunidades de alegria e paz. No entanto, pelo menos na mesma medida, muito grato estou por todas as tristezas, castrações e infortúnios que me fortaleceram o caráter, amadureceram-me a personalidade e me tornaram mais lúcido, sereno e sábio.
E a vocês, meus tiranos-castradores do passado – e até aos que foram ingratos, injustos e cruéis, mesmo já tendo sido beneficiários de meus esforços no bem, quando adulto –, agradeço a dádiva que me concederam, sacrificando-se pessoalmente, na escolha da maldade que fizeram, porque, enquanto vocês se transformaram em canais de minha educação espiritual – acumulando, para si, um carma que carpirão, angustiosamente, sabe lá Deus por quantas existências –, eu tive o ensejo de abrir meu coração para outras pessoas, generosas e de bom coração, que hoje me cercam por todos os lados, e me amam verdadeiramente, tratam-me bem e me fazem indescritivelmente feliz… Obrigado por me terem abandonado e tripudiado sobre meus mais caros sentimentos, dando espaço à chegada de corações amorosos e ternos, que me compensaram em muito o mal que vocês me fizeram. Com o pesadelo a que me submeteram, pude preparar meu espírito para experimentar um nível mais alto de satisfação e felicidade, projetando-me numa trilha de oportunidades muito mais amplas, numerosas, profundas, abundantes! Graças a Deus… para mim! E que a Divina Providência se apiede de vocês, pelo tanto bem que me fizeram, à custa de semearem o mal em seu próprio futuro!…
Não tenham pena de mim: estou muito feliz. Não sintam culpa – estou ótimo, mercê da queda moral em que se permitiram resvalar. E, de minha parte, vou orar para que a Justiça Divina, que nunca falha, lhes seja clemente. Pedirei que, no mínimo em consideração ao quanto sua atuação malévola me fez melhor ser humano, mais produtivo, mais criativo, mais feliz e mais amado, o mal que recaia sobre vocês seja amenizado…
(Texto recebido em 3 de janeiro de 2008. Revisão de Delano Mothé.)