Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Você, meu querido amigo, martiriza-se por se sentir rebelde, em muitos aspectos do seu modo de ser. Todavia, com um mínimo de equilíbrio e maturidade (para não se recair nas atitudes dissipativas-criminosas ou nas viciosas-infantis), essa é uma das funções mais importantes na condição humana, que gera progresso e aprimoramento da qualidade de vida e da consciência, da civilização e da cultura, em todos os sentidos. Foi sempre graças aos incontentáveis, que a humanidade marchou rumo à prosperidade, afastando-se da miséria e de todas as formas de privação e de castração.

O povo hebreu estava acostumado ao horror da escravidão havia quatrocentos anos, quando surgiu um rebelde aristocrático, o príncipe Moisés – reza o mito do Êxodo, seja ele real ou não – e as multidões o acompanharam, por quatro décadas de sacrifício, rumo a uma esperança de dias melhores, um lugar melhor para viver. Depois disso, todas as comunidades e etnias, no correr dos séculos, lutaram e ainda pugnam pela sua autonomia ante outras nações, jamais admitindo a submissão a outros povos.

O mundo inteiro estava subjugado, sem questionamentos, à fatalidade do domínio dos impérios e conquistadores da hora, e Jesus, o Divino Revolucionário, o maior rebelde de todos os tempos, nascendo num dos momentos áureos do aparentemente inexpugnável Império Romano, traz a mensagem libertadora de todas as épocas e povos, desferindo o mais ousado brado de liberdade de todos os tempos: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” Depois d’Ele, cada vez mais menos se tolera a tirania, a ignorância e a falta de liberdade e amor entres as criaturas.

As mulheres, no clímax da Idade Média, viviam imundas, vestidas de forros escuros, igualmente sujos e mal-cheirosas, jamais se maquiando ou mesmo variando penteado. E algumas mulheres rebeldes, cortesãs e meretrizes, começaram a fazer uso de perfumaria e apetrechos de embelezamento, fazendo raiar, para futuras gerações, o imperativo indiscutível da vaidade feminina, como instrumental valioso na busca de bem-estar psicológico (quando moderadamente utilizado).

Ninguém questionava a estandardização da cor preta, na pintura de veículos automotores, na era dos Ford’s “modelo T”. E eis que um grupo de designers rebeldes da General Motors criaram a revolução das cores, no mundo dos automóveis, instituindo a necessidade inarredável de cores e matizes diversos nos veículos produzidos em série, ao gosto de cada comprador de carros.

Cogitar de separação conjugal era tema abominável, visto como execrável até diante dos olhos do Ser Todo-Amor. Até que levas inumeráveis de homens e mulheres rebeldes, que não se conformaram com a obrigação de se sujeitarem à infelicidade, ignoraram tabus e romperam com o puritanismo tolo e hipócrita da ortodoxia religiosa, permitindo-se buscar vida nova e mais feliz, com quem realmente amassem, num padrão de relacionamento não só mais saudável, mas também, por conseqüência, mais honesto e espiritual. Depois disso, ninguém mais se sente à vontade com a ideia de ser obrigado a estar sempre com alguém, ainda que as maiores barbaridades sejam perpetradas, em abuso à própria pessoa.

O coro era uníssono na rejeição absoluta à homossexualidade, como a aberração das aberrações, no capítulo do comportamento humano, anátema esse que partia desde a comunidade científica à religiosa, até que surgiu um visionário rebelde, com sobrenome que significava, em alemão, alegria, e Sigmund Freud iniciou o processo de libertação planetária de um décimo das populações humanas do opróbrio e do cárcere, conduzindo-o a tratamento clínico, seguido de levas infindas de gays em toda parte, rebeldes como só eles conseguem ser, juntos demolindo milênios de conservadorismo tacanho, no que diz respeito às funções e finalidades da sexualidade. Após esses incidentes que já somam um século, ninguém mais se sente atualizado e civilizado sem incorporar a ideia de, senão concordância, ao menos tolerância à existência do universo gay na vida social.

Você, hoje, prezado amigo, pode ser portador de impulsos ou idéias quase insopitáveis de realizar-se em níveis que não só não são aceitos, como ostensivamente condenados por seu tempo, sua cultura, pelo contexto social em que vive. Mas, se você realmente se sente compelido a exprimir-se em patamares mais altos de autenticidade, liberdade e felicidade, jamais deixe de seguir tais sugestões de seu coração, porque a Deus agrada eliminação de preconceitos (que são o oposto de consciência), a quebra de estruturas antiquadas de organização social, para que surjam novas, em seu lugar. Como disse Jesus, não veio Ele trazer a paz, mas a espada, como também que tinha ânsia de que a fogueira das transformações se acendesse.

Por outro lado, asseverou o Mestre, em um sentido profundo do termo, que “é necessário que haja o escândalo”(tudo que choca pressupostos estabelecidos), “mas ai daquele por quem vem o escândalo”. Ou seja, há um preço que se paga por se estar à frente, por ser diferente. Quem está acima da média coletiva, assim como quem está abaixo, é visto como marginal, porque, inclusive, é isso literalmente o que significa o verbete: alguém que está às margens de alguma coisa, no caso: a normalidade social. Mas, comumente, o preço por se acomodar a um nível de expressão de si inferior ao que se pode ter é muito mais pesado e doloroso.

Assim, amigo, pense com carinho no que lhe dissemos. Você deve ser prudente, ponderado, sensato, respeitoso, disciplinado. Mas, sempre, deve tentar ser e parabéns se já for ousado. O mundo é dos ousados, que se fazem vencedores, ainda que passem por ridículos, em postos da vida em que se encarapitam e que lhes não parecem merecidos, e freqüentemente não lhes são de fato.

Jamais suponha que ser rebelde é sinonímia de ser diabólico, indisciplinado ou irresponsável. Pare, de uma vez por todas, de associar a idéia de buscar parâmetros mais amplos de felicidade a algo pecaminoso, vil, superficial. Foi a busca da liberdade e da felicidade que conduziu a humanidade ao seu atual nível de progresso. E continuará sendo ela que a fará avançar ainda mais.

Hoje, não temos mais a escravidão do Antigo Egito, a tirania do Império Romano, o obscurantismo medonho da Idade Média, nem a padronização sem-graça do industrialismo começante. Mulheres, negros e homossexuais conquistam e fortalecem seu espaço nas sociedades. Liberdade, educação, felicidade e amor parecem objetivos e direitos garantidos a todos. Mas muita coisa ainda está por vir, que não foi devidamente considerada, pelos filtros culturais da sociedade hodierna. Atitudes ou desejos que podem ser agora considerados indignos, injustos ou utópicos, como pareceu o movimento abolicionista do século XIX no Brasil.

Argumentos acachapantes de ordem econômica, social, religiosa e até científica, amiúde enfeixam-se, no sentido de sufocar toda iniciativa de libertação da escravidão mental coletiva. Mas, se você já chegou ao plano de desenvolvimento de não mais tolerar o patamar de satisfação pessoal que lhe é permitido socialmente, não tema quebrar estruturas de expectativas de comportamento aprendido, e lançar-se à aventura de seu crescimento pessoal, totalmente livre de amarras.

Sim, deve ser respeitoso, consciencioso, ético, justo, bom. Mas também deve impedir que lhe faltem com o respeito, a consciência, a ética, a justiça e a bondade, forçando-o a ser quem não é. Não podem existir idéias, por mais bem elaboradas ou nobres que pareçam, que estejam autorizadas a lhe sequestrar o direito à liberdade e à felicidade. Não pague o resgate das conveniências sociais tirânicas. Esteja disposto a sofrer as conseqüências de seus experimentos malogrados, de ser incompreendido e atacado gratuitamente, mas, principalmente, mantenha-se sempre aberto e atento a aprender com os próprios erros e seguir adiante, fazendo de cada fracasso um novo recomeço, na rota de formas mais satisfatórias de êxito. De qualquer forma, entretanto, liberte-se do rapto da paz e da integridade psicológica e moral mais profunda de todas as formas de escravidão, principalmente as conceituais e mentais, com uma estratégia inteligente da sua polícia interior, a razão, e, assim, avance, para o reino da verdade e da vida… Porque, se você não puder respeitar ao menos quem é, o que mais poderá almejar na Vida?…

(Texto recebido em primeiro de setembro de 2002.)