Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Cogitemos do paradigma da totalidade. Jesus disse ter vindo à humanidade trazer vida, e vida plenamente… Podemos entender que Sua Sagrada Missão foi gerar vida, em todos os níveis e estados de consciência, em todos os departamentos existenciais das criaturas humanas. Sob esta perspectiva, o que, num primeiro exame, pareceria negligência e ineficiência, em função da escolha de se realizar menos de alguma coisa, para se fazer um pouco de tudo, pode, em verdade, constituir uma chave para a solução de importantíssimas questões pendentes no próprio destino, no rumo deste ideal do viver completamente.
Você tem consciência, e as pessoas também, de que nunca será, nesta sua atual existência, uma figura santa, com atributos especiais, acima dos “reles mortais”? Isso é ótimo! Você se percebe em deslize ou descobriu faltas em si que não mais o agradam? É uma constatação importante, e o trabalho a que se dedica, no sentido de evitar que torne a incorrer em quedas equivalentes, é muito bom. Recorde-se, porém, de que nada ocorre sem permissão de Deus. Além deste conceito, pode-se convir que não só Deus permitiu, como, paradoxalmente, quis que assim acontecesse. E isso porque o mal pode conduzir ao bem; o erro carreia experiência para a criatura, que leva, por conseguinte, ao acerto; a queda pode favorecer o “efeito turbo”, que produz impulso para uma maior subida; o fracasso gera fortalecimento, quanto a fraqueza estimula o desenvolvimento de novas aptidões.
Recentemente, por outro lado, um texto da lavra de integrante de nosso grupo de orientadores (*) foi publicado, ressignificando o conceito de santidade. O indivíduo pode, perfeitamente, com toda sinceridade, estar em busca de patamares de virtude, incidindo em erros, em princípio, muito menores que, por exemplo, os de São Paulo e São Pedro (um assassino de mártires e um traidor do Cristo, respectivamente): dois dos mais importantes pilares da história do Cristianismo. Ser santo não é ser anjo, mas portar fraquezas humanas e desdobrar um esforço de realização sobre-humana, dentro e fora de si mesmo.
Cabe considerar, outrossim, que a vaidade de ser ou parecer melhor deve ser vista como de todo proibida, por pertencer ao capítulo do ego e não do Eu Superior – a centelha de anjo que pugnamos por ativar, dentro de nós. Da mesma forma, o desejo de se colocar, arrogantemente, como “dono da verdade” não é defensável a quem quer que seja, embora se verifique este vício, freqüentemente, entre figuras justamente honradas pela História, como legitimamente santificadas (a despeito de não-angelizadas), a exemplo do Mahatma Gandhi. A autocrítica em nível ótimo constitui uma proteção contra o resvalamento nos maiores equívocos em que um ser humano pode incorrer. Gandhi, de fato um homem movido por ideais humanísticos genuínos, mas talvez convencido demais da pureza de suas intenções, não notou que a tirania se lhe infiltrou à consciência, pelas vias do nacionalismo exacerbado (contrário ao sentimento universal de pátria cósmica) e através do espetáculo de seu ascetismo heróico, no longo jejum a que se submeteu, para impor sua opinião, contra a necessidade coletiva de muitos milhões, no sentido da independência do Paquistão em relação à Índia, o que acabou por, indiretamente, causar uma guerra separatista altamente sangrenta, com um horrendo saldo de 2 milhões de mortes, após o seu próprio assassínio, por um fanático terrorista do separatismo.
Importa, indiscutivelmente, servir, santamente, em nome do Cristo. O Cristo, entretanto, não era proponente de uma moral convencional. Foi um “quebrador de estruturas”, desafiando as convenções de Seu tempo, em função de um quadro principiológico intemporal, que transcendia as hipocrisias de Seu povo e época (quando reencarnado). Exatamente por ser este Subversivo Divino é que suas idéias se tornaram fomentadores de revoluções sucessivas de costumes e valores, até os dias de hoje, sem, de todo, lograrem haver sido plenamente compreendidas, muito menos aplicadas, em conjunto, pelas comunidades humanas de nosso orbe.
Destarte, precisamos nos dedicar a seguir uma moral diferenciada, aquela que autoriza a entrada de “pecadores”, no circuito da espiritualidade. Somente em tempos futuros, tal campanha estará realmente entendida e descoberta, em seus mais importantes efeitos. Não mais uma espiritualidade para os decentes, que, em tese, menos dela necessitariam, mas a espiritualidade para os que mais carecem, como Jesus asseverou deveria ser, desde o início de Sua pregação pública: “Os sãos não precisam de remédios, mas sim os enfermos.” É comum, entrementes, ainda quando se aceita este pensamento do Cristo, interpretá-lo como aplicável a um tipo específico e muito raro de discípulo do Senhor. A identidade de cristão, espiritualizado ou iluminado lamentavelmente ainda é associada, de modo quase obrigatório, aos que se decidiram a seguir o Mestre, por meio da conversão absoluta a uma nova mundividência, a um novo padrão de consciência e de conduta, imediatamente após um primeiro encontro com Jesus. Esta natureza de conversão existe – e muitos santos da história do Cristianismo deram provas testemunhais claras deste fenômeno –, sendo, evidentemente, muito louvável. Todavia, mais comum, e, no entanto, não menos válido, é o esforço de transformação gradativa, que consome décadas, séculos, várias reencarnações, sem repentinas rupturas de paradigmas e de comportamentos viciosos. Detalhe essencial nesta tese: a esmagadora maioria dos seres humanos está inclusa nesta categoria. Mais importante ainda: os que, com as melhores das intenções, tentavam introduzir-se na classe seleta dos conversos absolutos, por julgá-la a única via possível de salvação para a “vida eterna”, criaram (e ainda criam), quase todos, em termos psicológicos profundos, uma pseudoconversão, com aspectos expressivos de suas psiques reprimidos, os quais, fatalmente, uma vez lançados nos porões sinistros do inconsciente, acabam voltando-se contra seus agentes de cisão psíquica, em forma de surtos de raiva, de desejo ou de quaisquer outras paixões, quando não engendrando a menos lisonjeira de todas as manifestações desta esquizoidia filosófica e doutrinária, no campo religioso: a famigerada hipocrisia, não por acaso ardentemente combatida por Nosso Senhor Jesus, quando esteve entre nós, no plano físico de vida.
Neste parâmetro moderno, flexível, realista e, por isso mesmo, efetivo e lúcido, de transcendência paulatina, rumo à Espiritualidade Pura, deve-se pôr, acima de todas as dúvidas, princípios ou suposições, a busca de ouvir a orientação sublime da própria consciência, ainda que se não tenha, sempre, uma escuta perfeita de seus alvitres. Ora, pouco importa o que pensem ou o que digam terceiros. Foi por se sublevarem contra a opinião da maioria, sobre valores, cultura, conhecimentos, prioridades, que os grandes construtores civilizacionais e os maiores benfeitores da humanidade realizaram suas missões extraordinárias a bem de milhões.
Quem está muito à frente, quem representa os referenciais de uma nova cultura, que ainda não vigora no presente, naturalmente despertará suspeitas, ódios e ataques, que, apesar de parecerem, em princípio, infundados ou gratuitos (embora sempre sejam injustos), têm significativa razão emocional de ser, para os egos humanos e o terror dos segmentos estreitos das sociedades da Terra, afetados em seu misoneísmo (um dos mais arraigados vícios da espécie humana), pois o fomentador da revolução subverte o conhecido e introduz o novo, com total ausência de pudores, em sistemas antigos de comportamento e interpretação do mundo. Logo, não deve causar nenhuma estranheza que, como se deu em todas as eras e povos do globo, os mais valorosos promotores do progresso sejam equiparados a facínoras e mesmo genocidas; tidos, no mínimo, à conta de pervertidos, loucos ou charlatães. Os próprios agentes da transformação, em seus momentos humanos naturais de vacilação e dúvida, permitem-se questionar a validade do que postulam, e, para grande vertigem de dor moral, no imo de seus corações sinceros, chegam a aquiescer, provisória mas mui dolorosamente, à opinião de seus inimigos a seu próprio respeito, supondo-se vítimas de autoludíbrios e autocomplacência, sentindo-se tentados a se conformarem ante o inapelável e aceitarem o inaceitável. A Mão de Deus, contudo, por meio de Seus Agentes do Bem, sobremaneira do plano “invisível” de Vida ao sensório vulgar, providencia conforto e inspiração, para que prossigam em sua tarefa pesadíssima, de se fazerem estafetas de uma organização social superior, em meio a conceitos e valores de uma civilização inferior.
Ainda assim, só temos motivos a comemorar. Em outro tempo, que não segue muito longe, na poeira da História, estes vanguardeiros da Verdade eram tratados de modo bem menos lisonjeiro e educado que hoje, sendo espoliados, achincalhados, torturados e executados cruelmente, em praça pública, como as fogueiras da Inquisição (que, por ironia, era denominada “santa”) foram dos mais patéticos e vergonhosos exemplos.
(Texto recebido em 1º de abril de 2008. Revisão de Delano Mothé.)
(*) “Testemunho de Amigo”, do espírito Roberto, acessível nos ícones “Destaque” ou “Mensagens Anteriores” deste site.
(Nota do Médium)