por um espírito anônimo (*).
Em 1976, saí da cidade de São Paulo, cheia de sonhos e expectativas pouco plausíveis, mas para mim muito exeqüíveis… Estava repleta de vontade de viver… e de idéias “avançadas”: a revolução sexual tinha estourado há uma década. Eu era carioca de nascimento e retornaria à minha terra natal, para festejar a vida!… Queria ser atriz de telenovelas. Tinha pouco mais de 20 anos. Não me seria difícil, imaginei, conseguir uma colocação nos estúdios de uma grande emissora, sobremaneira porque eu tinha uma aparência muito boa.
Cheguei à metrópole das praias internacionalmente conhecidas e, logo nos primeiros dias de contato com a tal emissora que me fascinava os ideais de moça, vi quão difícil seria alcançar meu objetivo. Após semanas seguidas de tentativas inglórias, consegui um contato pessoal com um diretor daquela que já era a principal rede de televisão do país. Olhou-me dos pés à cabeça, disse-me que gostaria de me encontrar numa sessão privada com ele. O escritório estava vazio quando cheguei, e havia um quarto com uma cama, o que achei muito estranho para um local de trabalho. Pediu-me que lesse um texto de conhecido autor brasileiro, com a dramaticidade que me fosse possível. A certa altura de minha nervosa e precária atuação, sugeriu que me sentisse numa passarela e caminhasse na sua sala, como se estivesse diante dos olhos de centenas de pessoas atentas e exigentes. Disse a ele que minha meta não era ser modelo, mas atriz, ao que ele me retorquiu asseverando que o que a profissão de atriz me exigiria seria muito mais difícil, como, por exemplo, beijar a boca de estranhos, demonstrando paixão.
Atendi-lhe. Comecei, meio sem graça, nervosa e trêmula, a desfilar em torno dele, na saleta um tanto apertada, quando, então, teve início meu suplício. O diretor pediu que retirasse, uma a uma, peças de minha roupa, ao que eu correspondi, sem pestanejar – era a minha chance, não podia ser preconceituosa, pensei, ato contínuo, calando todos os meus pudores de mulher. Já sabia que aquilo poderia acontecer. Imaginara-me, inclusive, em situações similares. Só não esperava que me fosse ocorrer uma tão rapidamente.
Naquela tarde quente de verão, fui introduzida no meu pesadelo pessoal. Camas de diretores, de produtores, até de roteiristas telenovelescos. Imaginava que este seria um caminho necessário ao estrelato. De certa forma, acreditava que toda celebridade feminina fosse uma prostituta de luxo: era a minha opinião de jovem que se considerava esperta e realista, em verdade profundamente inocente sobre as complexas relações humanas, políticas da mídia e toda uma série de implicações-pré-condições emocionais e intelectivas, inclusive em termos de aptidões e atributos que não possuía, para ascender na carreira de atriz de telenovelas.
Treze anos se passaram assim. Estava já próxima dos 40 anos de idade, quando percebi que meu sonho havia ruído completamente. Não sei dizer por que a “ficha” do malogro de meu projeto megalomaníaco e ousado de me tornar uma grande estrela da TV demorou tanto a cair. Mas esta “ficha caiu” da pior forma: fui diagnosticada com a síndrome de imunodeficiência adquirida. A AIDS, por aqueles dias, no final dos anos 80, tinha um estigma muito maior e aterrorizante que o atual, além das terríveis formas de evolução da patologia, quase sem controle, antes da criação do coquetel “anti-aids”, no final da década seguinte.
Em três anos estava morta, derrotada, pobre, estigmatizada e, pior martírio para mim: deformada fisicamente. Minha beleza, que tinha dado sinais claros de declínio quando ultrapassei os 35 anos, tinha-se convertido num rebotalho de mau gosto do que fora, quando alcancei os 38, a idade com que desencarnei.
Vim aqui, por este meio psíquico, para dizer às mulheres (e também aos homens desavisados) que não imaginem que na fama ou na beleza invejável encontrarão a luz da felicidade, que só o amor e o reto cumprimento de deveres morais que nos foram constituídos por Deus (como a constituição de família ou a dedicação a causas, profissões ou ideais nobres) podem-nos propiciar ventura, paz e equilíbrio suficientes para uma vida rica e satisfatória.
Vim aqui para dizer que fui linda como poucas mulheres da minha geração foram, mas que minhas contemporâneas, mesmo as que tiveram melhor sorte, estão hoje na iminência de completar 60 anos, todas a caminho da sepultura (umas mais próximas de partir, outras mais distanciadas), tanto quanto eu converti meu maquinário biológico em pó, antes da hora, por incúria, irresponsabilidade e muita falta de espiritualidade.
Que os prezados amigos não sofram vexames similares aos meus, não se aproximem da morte em pânico como me aproximei, sentindo-me abandonada, inútil e trânsfuga dos desígnios de Deus, para, até hoje, carpir remorsos pela existência física que defenestrei. Chegando ao plano astral, quando pude me dar por relativamente lúcida, disseram-me que, como me estava assinalado na ficha cármica, como programática para a existência que eliminei precocemente, com meus abusos e desvios, poderia ter tido uma vida prolífera, que poderia estar sendo útil até a presente data, em atividades artísticas-educacionais, em escola de dança de subúrbio da capital paulista, constituindo família com três filhos e esposo amoroso e vivendo para as realizações da alma: o afeto, o estudo do belo e o magistério digno na dança.
Que o caro amigo e a estimada amiga que me lêem aproveitem a minha lição de vida e façam um balancete do aproveitamento que vêm apresentando de suas existências na dimensão material, revertendo, em tempo, caso se descubram fora de rota, o trajeto para o abismo, porque, quando se está no corpo, é sempre mais fácil corrigir-se e compensar-se pelo tempo perdido, tanto quanto recomeçar atividades abandonadas ou inacabadas, e tornar sobre lições não absorvidas ou não devidamente assimiladas.
(*) A autora espiritual ficou anônima para não constranger parentes encarnados no país. Por outro lado, vale ressaltar que esta mensagem foi psicografada a três mentes: a da autora espiritual propriamente dita; a da mentora espiritual Eugênia, como facilitadora de sua narração; e a minha, como intérprete mediúnico.
(Nota do Médium)
(Texto psicografado pelo médium Benjamin Teixeira, em 9 de março de 2006. Revisão de Delano Mothé.)