Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Meu querido: o desafio não está em ser amistoso e simpático, mas justamente em não sê-lo. De tal modo é estranho que não se seja, que é de pasmar como a mente humana tem poderes prodigiosos de escolha, a ponto de conseguir se determinar a agir contrariamente a forças poderosíssimas: a da tendência natural em se ser gregário e afetuoso, espalhando a linfa do amor com a mesma naturalidade com que nos dedicamos ao exercício de uma função social ou uma profissão.
Haverá momentos, sem dúvida, em que será extremamente difícil manter a compostura. Todavia, afora tais situações de exceção, convém que haja a preocupação em se criar um padrão de excelência na gentileza, na cortesia, na bondade.
Estudemos o significado desses vocábulos, para que tenhamos uma ideia de quão importantes são os conceitos que lhes jazem embutidos, assim como as atitudes que propõem. A palavra “gentileza” vem de “gente”, ou seja: uma característica indissociável da condição humana, o que nos leva a inferir que quem não a apresenta, num nível mínimo que seja, nem sequer pode ser considerado(a) plenamente integrante da espécie humana. “Cortesia” vem de “corte”, dos hábitos e costumes necessários a se viver em ambientes refinados, num intuito de conter a barbárie e todos os impulsos primitivos, animalescos, que ainda trazemos, no bojo da alma, de nosso longo passado nos reinos inferiores da natureza.
Por fim, “bondade” vem de “bom”, o que implica dizer que quem não é bondoso é mau. Muito forte essa dedução simples, a ponto de não lhe darmos a devida importância, a fim de não sermos impactados por suas fortes implicações. Porque, de sã consciência, ninguém se identifica com o mal. Até mesmo nos redutos do crime, miríades de justificativas e racionalizações são criadas por aqueles que os frequentam, a fim de enxergarem inocência e coerência em suas atitudes. Por mais que alguém se diga um bad boy, por dentro se sente amiúde um bom garoto, acertando, dentro de sua visão, ao rejeitar a lei e o status quo, por julgá-los injustos. Quando se diz, portanto: Fulano é um cara bom, está-se quase fazendo uma afirmação pleonástica, já que todo ser humano é ou deveria ser bom, ao menos nessa acepção filosófica mais profunda.
Ser gente, ser civilizado e não ser mau, a partir desses raciocínios simples que expendemos com o caro amigo, implica, necessariamente, ser gentil, cortês e bondoso. E como sei que o querido amigo não se tem à conta de um troglodita semissimiesco ou um animal selvagem solto na vida urbana, estou certa de que fará um esforço por desenvolver as virtudes que são imprescindíveis à plenitude da condição humana: gentileza, cortesia e bondade.
Adulcique suas palavras; suavize seus movimentos; urbanize sua conduta; seja generoso, justo e cordato; afável, solidário e equânime. Diga às pessoas com quem convive palavras de estímulo e de conforto. Trate-as com respeito e consideração, para que se sintam amadas e respeitadas. Todos precisam de ter seu ego alimentado, para que se sintam dignos, para que se sintam gente, e, assim, serem também gentis. Ninguém pode transcender o ego, com um ego subdesenvolvido. Estruturar a auto-estima é condição sine qua non para se desdobrar a genuína espiritualidade.
Elogie a inteligência do técnico que conserta seu aparelho eletroeletrônico. Agradeça, com palavras de incentivo e um largo sorriso, às mãos hábeis que lhe preparam as refeições. Trate a atendente atrás do balcão, como se ela fosse a cliente e não o contrário. Seja educado com todos, mas tenha, em particular, o máximo cuidado com todos que estejam em condição socialmente inferior à sua. Já estão suficientemente humilhados, pela condição em que estão, para ainda serem tratados como máquinas ou alimárias para serviço subalterno. E, depois deles – aqueles que lhe fazem o favor de servi-lo, porque poderiam, caso realmente quisessem, procurar outro emprego – tenha especial atenção com os entes queridos. É de se pasmar como as pessoas, na Terra de hoje, costumam tratar com desleixo e mesmo com desprezo, justamente as pessoas que mais amam no mundo. Não é de estranhar que o índice de divórcio tenha aumentado em toda parte, bem como o percentual esmagador de relações problemáticas entre pais e filhos. Com facilidade, tende-se a menosprezar a importância, o esforço e o devotamento dessas pessoas, tolerando nossos defeitos, convivendo conosco, apesar de terem outras alternativas de vida, dedicando suas vidas a estarem conosco, partilhando suas experiências e enriquecendo-nos com suas lições.
Já pensou em tratar a esposa como aquela pessoa comum que você trataria com a máxima finesse, se fosse a ela apresentado em solenidade social? Pois pense que, além de ela ser essa pessoa que mereceria sua gentileza, é ainda – que graça dos Céus!… – aquela alma abnegada que aceitou ladear-lhe os passos vida afora.
Já cogitou que seu filho é um espírito que reencarnou no seu lar, confiando (além da confiança dos seus mentores e dos guias espirituais dele) em sua capacidade de se dar e de conduzi-lo ao melhor caminho? Se você se sente lisonjeado quando recebe uma delegação de trabalho mais ousada, grato e honrado por ter sido tão valorizado por quem lhe confiou a tarefa, por que não se sente estupidamente grato, honrado e feliz por esse espírito e seu anjo guardião terem-no achado apto para o mais sagrado entre todos os misteres do mundo, que é auxiliar uma alma a se reformar, por meio do eclipse psíquico da infância?
Assim, a gentileza, a cortesia e a bondade merecem particular cuidado e exercício justamente no reduto do lar. Costuma-se dizer que em casa se fica ou se deve ficar à vontade. E a “besta interior” é solta a devorar e cuspir fogo, exatamente com os “anjos” da vida do “dragão” que amiúde, fora do ninho doméstico, assume ares de santo… até que, em situações extremas, lamentavelmente não incomuns, a relação se rompa, por completa exaustão de forças morais do(s) sacrificado(s) coração(ões) mais próximo(s). Inúmeros casamentos felizes entram em debáclè; e relacionamentos que seriam seráficos, entre pais e filhos em total bancarrota, exatamente pela falta de fino trato dentro de casa, ou melhor dizendo: de um mínimo de dignidade, respeito e consideração entre os componentes de uma mesma família. E a responsabilidade por isso é sempre do casal, dos mais velhos. Os filhos, quase fatalmente, reproduzem as neuroses dos progenitores em suas interações familiares.
Agradeça a seu filho, por ser seu filho, e diga-lhe como você é feliz pela oportunidade de ser mãe ou pai dele. Costuma-se imaginar que o grande beneficiado na relação pai/mãe-filho é o rebento, que tudo receberia gratuitamente. Nenhuma experiência, entretanto, é mais engrandecedora, para o Espírito, do que o exercício do amor incondicional que a paternidade e, em particular, a maternidade propiciam. Nós, pais, portanto, somos favorecidos pelo ensejo de amar, de nos divinizar, de aprendermos com os maiores mestres em angelitude que jamais encontraremos em todo nosso histórico evolutivo: aqueles que reencarnam como nossos filhos. É por isso que é incompleta a existência que não contém o exercício da paternidade-maternidade, ainda que não biológica.
Por outro lado, agradeça a seu cônjuge, por sê-lo. Entre três bilhões de outros homens ou mulheres do planeta, foi a você que ele ou ela escolheu para partilhar a intimidade. Não crie racionalizações estúpidas sobre a outra pessoa ter ou não tido outras opções. Sempre há, mesmo que não se queira admitir ou não se o diga, por gentileza ou por mera expressão de bondade (as benditas palavrinhas de novo), para não magoar seus sentimentos. A pessoa que está do seu lado está por amá-lo, considerá-lo, confiar em você e respeitá-lo mais talvez que qualquer outra pessoa na Terra, porque ela conhece seus defeitos como ninguém, e, apesar disso, continua ao seu lado, dividindo a vida com você. Então, você poderá me dizer: Não, você está errada: minha mãe me ama mais que minha mulher. E, embora tenha o amor de mãe como sagrado, e não aqui fazendo referência à maternidade mas à pessoa de sua mãe, quem lhe garante que ela toleraria aturá-lo na intimidade, caso não fosse sua mãe, assim como faz sua consorte? Ou você me diria: Ah, não, meu amigo Sicrano de Tal, esse sim, é o ser que mais me considera e me aceita como sou. E eu me permito a liberdade de lhe redarguir: e quem lhe disse que seu amigo aguentaria coexistir com você, estivesse em sexo oposto e do seu lado, sem o conforto da distância e do pouco envolvimento emocional de uma relação amigal? Aliás, quem lhe diz que você próprio teria a mesma opinião a respeito dele, caso fosse possível passar por essa experiência hipotética, com todos os complexos e pesados desafios psicológicos da luta de egos, de posse e de desejo de sexo que um relacionamento afetivo-sexual envolve?
Na conveniência da distância, tudo é mais fácil. Experimente amar de perto: o verdadeiro amor. Sobretudo, em meio a essa mudança de atitudes, não esqueça que seu cônjuge como seus filhos, pelas mesmas razões que você, podem estar menoscabando-lhe o devotamento e o amor. Não se entristeça por isso, nem fique magoado, muito menos com impulsos de revide. Não fazem isso intencionalmente, como, até agora, você também. É uma questão de percepção, de ignorância e, com cuidado, com maciez psicológica, vá, à medida que educa seu próprio comportamento e visão interior a respeito deles, também orientando-os, para que, de sua parte, possam lhe tratar, com o tempo, de forma mais agradável a seu coração, ainda que não deva exagerar nas expectativas de mudança que, em tese e a priori, poderíamos dizer: são sempre frustrantes.
Se você soubesse como é bom ser bom; como lhe acrescenta humanidade, gente-leza, ser gentil; como lhe acentua o grau de civilidade, sofisticação, de complexidade psíquica, ser corte-z; como ser bom lhe expande a bondade, a capacidade de amar e, por conseguinte de ser feliz e estar em paz, dedicar-se-ia, com afinco invulgar, a desenvolver e consolidar, em si, essa tríade divina de felicidade. Se de fato tivesse consciência da extensão dos benefícios pessoais, a começar pela enorme satisfação de ser um disseminador da paz, do bem, do amor, da alegria, não tergiversaria à necessidade, inclusive, de envidar alguns sacrifícios nesse sentido, já que, realmente, precisar-se-á fazer um recondicionamento mental, que demanda tempo, energia, esforço e paciência para com as sucessivas recaídas que o processo de aprendizagem e mudança implica. Todavia, isso digo: ainda que fosse preciso fazer algum sacrifício verdadeiro, porque, em verdade, ao se corrigir a perspectiva no enfoque desse tema, como dissemos no início de nossa reflexão: percebe-se como é difícil ser mau, rude e primitivo, já que tais posicionamentos contrariam a natureza humana e trazem infelicidade, conflitos e desgastes de toda ordem.
Seja plenamente ser humano, prezado amigo. Seja, tanto quanto possível, sempre que possível, gentil, cortês e bom.
(Texto recebido em 14 de dezembro de 2000.)