Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
As pessoas costumam ser extremamente fúteis, sem se aperceberem disso. Andam cuidando de seus negócios, de suas posses, de suas “responsabilidades”, qual se estivessem ocupadas das coisas mais importantes do mundo. Se tivessem um rápido relance da eternidade, tomariam um susto tremendo, com a tamanha estultícia a que se confiam.
Imaginemos o milionário que dedica todo o seu tempo a ampliar ainda mais sua fortuna, no intuito de dar, continuamente, maior segurança ao futuro de seu filho. Ele não revela a ninguém, fechado em seu mundo de dureza masculina, mas o garoto é sua razão para viver. Começa seu dia de trabalho antes das sete, e depois das dez da noite ainda está no escritório. Sai antes de vê-lo acordar-se, chega após o tesouro de sua alma haver caído em sono. Vê o coração que polariza todos os seus ideais tão-somente no fim de semana, por algumas horas, mas sem lhe dar muita atenção aos mimos de infância – “coisas da idade”… “Papai, venha brincar comigo!…”; “Não tenho tempo, meu filho”; “Papai, eu seria a criança mais feliz do mundo, se você brincasse comigo…”; “Não tenho tempo para brincar, meu filho, para que possa ser o melhor pai do mundo para você…”; “Mas eu não quero você assim, só trabalhando… fique comigo, papai…”
E o espigão onde o homem tem a sede de sua empresa é sua moradia – a maior parte do tempo, o melhor do seu tempo, quase todo ele é passado lá. O prédio frio, de pessoas que não lhe significam nada, de funções meramente mecânicas, destituídas de vida, de alma. E o seu coração, em outro lugar, bem longe dali, no menininho de sete anos que lhe encanta o espírito, que o comove, e o faz ainda mais feroz na atividade empresarial, para que mais e mais possa acumular para ele.
O seu tesouro, entretanto, está com dias contados na Terra, sem que ele o saiba. Pensa que terá todo o tempo do mundo com a jóia mais cara de seu destino, depois que lhe conquistar o mundo, mas engana-se redondamente. E é assim que um dia, em plena reunião de executivos, ele recebe a visita da secretária, com expressão lívida, em meio à discussão acalorada, como sempre girando em torno de milhões. Ao percebê-la entrar, com o claro propósito de interrompê-lo, imediatamente faz uma carantonha de fúria contida – era o que menos suportava: ser tirado de sua concentração no “essencial”, por qualquer razão que fosse.
– Doutor… sua esposa está ao telefone…
– Maristela, quantas vezes será necessário lhe dizer que é completamente proibido me interromper em meio a uma reunião da cúpula da empresa?
– Doutor… é importante…
– Maristela!!! – já começando a berrar…
– Doutor… seu filho… – e as lágrimas brotaram nos olhos da secretária, que sabia do tamanho do amor do chefe pela criança.
Vendo a comoção constrangida da funcionária fiel, o milionário se transtornou, intuindo o pior, no que, lamentavelmente, estava certo. Com os olhos a saltarem das órbitas, levantou-se da cadeira num salto, derrubando o que lhe estava à frente, saindo sem se despedir de ninguém, batendo-se nas coisas, derrapando no chão, correndo feito um louco pelos corredores da megaempresa, deixando todos atônitos com o comportamento invulgar do senhor todo-poderoso, todo-controlado-controlador.
Não atendeu sequer ao telefone: por um impulso da alma, foi direto para casa. Chegando lá, viu um brinquedo à porta. Um daqueles que tinham sido motivo de convite de seu rebento, a passar mais tempo com ele.
Havia uma ambulância à porta. Chegara poucos minutos antes, e a equipe de paramédicos tentava a “ressuscitação”. A esposa se aproximou, assustada, no olhar demonstrando estar mais preocupada com a reação dele que com a perda da própria criança, tanto e tão bem intuía a dimensão de seu amor pelo filho. Mas o milionário sequer lhe percebeu a presença – estava completamente hipnotizado pela imagem do corpo inerte e pálido do que havia de mais caro no mundo ao seu coração.
– Salvem-no… Salvem-no, pelo amor de Deus!… – foi tudo que conseguiu dizer.
Mas Huguinho tinha uma falha congênita do coração que não havia sido percebida em tempo. Sofrera uma parada cardíaca demorada demais, antes que percebessem o seu estado, e dificilmente seria trazido de volta à vida. Foi conduzido dali em minutos para o melhor hospital da cidade, mas para esforços infrutíferos ante o inexorável.
O milionário voltaria para casa atormentado de remorsos infinitos, por uma sensação de perda inqualificável. Retornando ao lar, em semidesvario, bate-se no mesmo brinquedo (à entrada da residência) que vira ao chegar do escritório. Num relance, recorda-se do rostinho angelical do ser mais precioso do mundo lhe pedindo para estar mais com ele, para brincar com ele, num sem-número de vezes. Tresloucando-se de dor, abraça-se ao pedaço inerte de plástico e chora desbragadamente, como um selvagem ferido, agachado no chão, na porta de casa… Agora, porém, era tarde demais…
Você pode não ter perdido ou não vir a perder seu filho em tenra infância, mas pode ter desperdiçado ou estar desperdiçando a graça de acompanhá-lo de perto num momento único de sua vida. Você pode não ter perdido ou não chegar a perder um grande afeto, uma esposa, uma mãe, um amigo, mas pode ignorá-lo a ponto de maltratá-lo no correr de anos e, então, privar-se de usufruir da felicidade intraduzível de viver o amor em plenitude.
Não deixe para depois o que pode fazer hoje, nesse capítulo do essencial. Não aguarde acontecimentos dramáticos, para perceber o que realmente importa para você. Não espere que seu filho cresça sem coração e desnorteado, envolvendo-se com drogas e más companhias, por falta do seu amor. Não permita que seu cônjuge e as pessoas mais caras ao seu coração passem pela vida sem a linfa do seu afeto. Não é por acaso que os ama. Eles precisam de você, de alguma forma, tanto quanto você, em contrapartida, ainda que não note isso agora, tem muito a receber deles, muito de algo sem preço, muito do fundamental à sua paz e bem-estar.
A existência física é curta demais para que perca tempo com qualquer coisa que não esteja intrinsecamente relacionada ao amor. Ame. Ame agora, ame muito, ame sempre. Tudo é fútil fora do amor. Nada tem verdadeira importância sem amor. Nada faz sentido sem amor. Se puder me ouvir com toda alma agora, querido amigo, prezada amiga, escute o que lhe digo com pleno ardor do coração e guarde bem isso, no mais profundo do seu ser: o amor é tudo.
(Texto recebido em 27 de dezembro de 2000. Revisão de Delano Mothé, em 03 de janeiro de 2008.)