Benjamin Teixeira de Aguiar
em diálogo com o Espírito EUGÊNIA.
(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Eugênia amada: recentemente, estava falando sobre questões minhas a três amigas, numa situação informal, em conversa muito breve, e uma delas lembrou-se de uma expressão de filósofos orientais, que já foi inclusive verbalizada por Você, mas apenas com muito pudor e em circunstâncias especialíssimas. Notei que a iniciativa não se encaixou no contexto da confidência que lhes confiei, nem da situação em si, embora me parecesse que a interlocutora estivesse movida de boas intenções. Cheguei a tecer algumas reflexões íntimas, mas o momento não era para “embarcar em debates filosóficos”, e, simplesmente, relevei o comentário, com uma resposta sumária. Entretanto, noto que Você deseja apresentar algumas considerações sobre o assunto. Em caráter de registro para quem nos lerá, o aforismo é: “Tudo está certo”.
(Espírito EUGÊNIA) – A chave para nossas reflexões está no que você e sua amiga lembraram: o dito é de origem “oriental”. Esta qualificação dá o ponto nevrálgico para nossas lucubrações. A frase só pode ser apresentada com muito pudor – como você bem destacou –, quando o indivíduo esteja certo de que todos os processos de avaliação de uma contingência foram esgotados, no plano de considerações pragmáticas, lógicas, racionais, ou seja: quando todas as providências que se poderiam tomar para resolver uma questão foram mobilizadas, estando a pessoa realmente segura de que realizou tudo o que lhe cabia para a solução da pendência.
Foi isso que o incomodou: você estava fazendo um inventário de problemas pessoais, a serem examinados “à luz do sol da razão”, e a companheira em foco apresentou uma “solução” que não era oportuna, que “fechava” ou suspendia o trabalho da razão, antes da hora. Sem aqui entrar no particular da intenção de quem falou, restringindo-nos à análise da ideia intrinsecamente considerada, é este tipo de atitude que permeia a cultura oriental, em seus aspectos negativos, tão criticados no Ocidente, por motivos óbvios: gera a passividade criminosa, a omissão irresponsável, o fugir de problemas e desafios, estimulando posturas acomodatícias. É o ego agindo, em atitudes pseudossábias, de modo insidioso, tanto quanto pode haver ego, mais obviamente perceptível, na conduta de ação precipitada e intempestiva, irreflexiva e inconsequente, da razão rasteira, sem exame profundo de dados coletados.
Você percebeu um “conselho fora de hora” ou “não solicitado”, ou simplesmente “precipitado” – e não estava errado em suas conclusões. Não é de seu perfil agir sem confiar em Forças Maiores, mesmo porque você trabalha com Isso. E, em tomando essa ótica de religioso ou líder espiritual, trazer tal perspectiva a uma conversação entre amigos é extremamente saudável, porquanto vemos, entre religiosos sobremaneira, a fuga a esta postura madura, vício também encontrado fora do meio religioso, como este episódio traz à tona. Em suma: ela julgou que lhe faria um comentário aditivo, construtivo ou talvez uma crítica, quando você estava numa abordagem louvável do assunto que processava, adotando atitude inversa à disposição contemplativa do religioso tradicional, que afirma “tudo estar certo” e “nas Mãos de Deus”, mas renuncia a fazer a sua parte no Concerto da Vontade Divina, casando preguiça a presunção, à espera de que a Divindade cubra as lacunas de sua imprevidência. A máxima “está tudo certo” é comumente utilizada por quem deseja fugir de desafios íntimos. Como bem você respondeu à interlocutora, esclarecendo que “estava falando das questões no nível do ego racional”, este precisa ser sempre ouvido, antes que se tenha a pretensão de passar ao patamar do Self.
A propósito, cumpre-nos dizer: “Sim, tudo está certo, inclusive os questionamentos e a busca por se fazer responsável”. As barbáries da Terra estão certas, da Ótica Divina, do prisma da Eternidade, porque tudo, em última análise, enfeixará lições e estímulos evolutivos para os envolvidos. Mas quem se arrogará a condição para se encarapitar no âmbito da não ação divina? Aqueles que fogem a conflitos, quais os que você apresentava, não poderão atingir a transcendência da lucidez, que faz a justaposição de polos opostos, sem negá-los, até encontrar uma síntese. Negação é neutralização de forças. Devemos suportar a tensão das contradições e manter o equilíbrio dinâmico, acima do “jogo de forças” conceitual-prático, mas inexorável, a não ser que, voltando ao ponto moral básico: pretendamos fugir às próprias responsabilidades ou presumir-nos em um plano divino de observação das coisas, donde, então, desconectados de nós mesmos, olhamos com superioridade para quantos julgamos estar abaixo de nós.
Ainda importa aditar que tal assertiva deve ser apresentada a si próprio, não a terceiros – exceção feita a quem foi constituído terapeuta ou conselheiro (ou pai postiço) de alguém, que terá então recebido autorização para oferecer semelhante ordem de orientação. Um conselho desta natureza, outrossim, deveria, ao menos, partir da premissa de se conhecer a intimidade da pessoa, e não surgir de súbito, em situação social de relaxamento. Ademais, precisaria haver a convicção de se terem exaurido todas as possibilidades de resolução do problema ou conjunto de problemas em análise, no domínio humano de consciência e ação, o que, numa conversa superficial e ligeira, evidentemente a personalidade em questão não tinha como saber.
Existem desdobramentos os mais variados do equívoco de aplicação deste axioma, que, como dissemos, é acertado, mas num nível muito profundo – ou elevado, caso se prefira assim entender. Por isso, reiteramos: somente com muito escrúpulo deve ser ele utilizado. O tema está na esfera de cogitações da direta Vontade de Deus. E ninguém pode supor conhecer de antemão os “Planos Divinos” para indivíduos e/ou situações – sobretudo se a ótica considerada é de quem os observa de fora. Um dos possíveis corolários da postura filosófica de contemplação inerte (e não serena), dentro da própria história ocidental das ideias, foi a política financeira do “lessaz-faire”, da “intocabilidade” dos mercados (*), que levou economias, no globo inteiro, à bancarrota, em efeito dominó, por ocasião do “Crash” da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929.
A proposição de que tudo naturalmente se organiza “por força mesmo das coisas” é absurda, quando se pretende expender conceitos na faixa humana de consciência. Na Natureza, tudo tende à desorganização – o segundo princípio da termodinâmica, a entropia. No universo da consciência, ocorre o inverso: um “esforço” de concatenação, uma tendência à organização progressiva, como vemos no acúmulo do conhecimento humano, no avanço da ciência e da tecnologia, e no próprio desenvolvimento psicológico das individualidades – um princípio que se pode dizer “sintrópico” ou “neguentrópico”. Sempre que se não obedece a tal ditame da condição humana, surgem todos os vícios e males, desde a mera busca de prazer e deleite pessoais, sem consciência social, até o horror da guerra e destruição de civilizações inteiras. Ser humano é viver o empenho permanente do inteligir, compreender e agir, deliberada, resolutiva e criativamente, incluindo o “sofrer” conflitos, sem negá-los, para que se possam, em os compreendendo, descobrir soluções.
Foi o que você, sem “posar de guru”, pretendia exemplificar naquele instante de espontaneidade, estimulando os ouvintes (a nosso pedido): que ninguém aplicasse a fé fora de hora, para não gerar posturas inconsequentes e displicentes, o que redunda em negar a própria fé. Sua amiga, portanto, recebia uma mensagem para ela mesma, mas, inconscientemente, resolveu “proteger-se” da informação, apresentando um “ditado sábio”. Ela pode estar utilizando o princípio da ação racional em vários sentidos (inclusive por vícios cristalizados, na seara profissional), ou, talvez, em algum nível de consciência, pretendesse infantilizá-lo, oferecendo-lhe orientações “professorais” (por força do hábito profissional também) que não foram solicitadas, e num momento de todo inoportuno – comportamento, aliás, que ela já ostentou outrora. No justo instante em que a discípula se presumia dizendo a “chave exata” para o “enigma”, assomavam-lhe questões (que nada têm a ver com o assunto filosófico em pauta) de ego, identidade e desconexão com o sentido de “fluxo” – aqui, na acepção de “sensibilidade para apreender a hora certa de fazer ou não fazer, dizer ou não dizer alguma coisa”. De qualquer sorte, todavia, foi extremamente produtiva a ocorrência, por nos provocar esta interação – concorda?
(BTA) – Sim, amada Eugênia: sem dúvida alguma! Mais algo a dizer?
(EE) – Não, amado. Suficiente por hoje.
(Diálogo travado em 17 de junho de 2012.)
(*) Tese proposta sobremaneira pelo economista Adam Smith, tido como um dos “pais da Economia”, segundo a qual os mercados seriam dirigidos, não por acaso (sem ironia – risos), por uma “Mão Invisível”.
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