Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Eugênia me aponta o caminho a seguir. Descemos por uma via escura, apenas a energia da Mentora me impede de sentir calafrios.
– Estamos descendo a uma região umbralina. Não precisa ter receio. Estou com você.
Comecei a perceber, então, cabeças e mãos engolfados em lama escura, entre o marrom e preto. Noto mãos de todas as idades, mal divisando vultos de cabeças, que pareciam afundadas no lodo. Gemidos. Urros de horror…
– Algumas pessoas daqui desperdiçaram as mais importantes oportunidades de suas últimas existências físicas. Podiam trabalhar mais pelo bem comum e preferiram acomodar-se. Outras, fracamente dilapidaram patrimônios públicos que, bem utilizados poderiam ter salvo vidas.”
Nesse momento, percebo um grito sibilante vindo da esquerda:
– Mamãe!!! Mamãe!!! Mamãe!!!…
Eugênia parou por um instante, olhou… Eu a acompanhei. Senti que tinha algo a me ensinar sobre o que se daria a seguir, mas queria que eu esperasse pelo resultado final do experimento.
– O que é isso, Eugênia? Quem é? Alguém conhecido seu?
– Não. Mas supõe que seja. Vou conversar com ela.
– Diga, minha filha…
– Mamãe, me tire daqui, mamãe… Graças a Deus, a Senhora apareceu…
– Mas, meu bem, eu não posso tirar você daí. Somente você pode sair… se quiser… se realmente quiser.
– Mas eu quero, mamãe. É o que mais quero.
– Vamos então fazer uma prece?
Um silêncio constrangedor foi a resposta.
– Vamos fazer uma prece? – repetiu Eugênia, terna.
Mais alguns segundos de silêncio sepulcral… cortado apenas por um ou outro gemido. Parecia que todos, por um momento, de modo um tanto sinistro, silenciavam para ouvir…
– Vaca maldita!!! Você é um deles!!! Não quero saber de anjos, nem de padres, nem de freiras!!! Não quero saber de nada de Deus!!! Deus matou meu filho, minha mãe, meu pai!!! Deus não me ama!!! Deus é meu problema!!!
Eugênia suspirou longamente e me disse:
– Vamos nos dirigir a outra localidade, meu filho. Como vê, às vezes, algumas criaturas parecem dispostas a serem socorridas, mas não estão dispostas, de sua parte, a mudar de hábitos, de conceitos, de valores. Preferem se apegar a suas idéias e preconceitos a serem felizes. Não podemos fazer nada nesse sentido. É Lei Divina que todo livre-arbítrio seja respeitado, inviolável que é.
Caminhamos mais um pouco, parecia que a escuridão aumentava cada vez mais. Mentalmente, Eugênia me pediu silêncio. Iríamos nos comunicar telepaticamente, dali por diante. Estávamos, informou-me psiquicamente, adentrando uma área perigosa, em que seres malévolos se apinhavam, criando estratagemas para atacar pessoas no plano físico de vida. Comunicou-me a doce mentora, também, que estaríamos invisíveis a eles. Nossa vibração não fora adaptada com na experiência anterior, para que se nos fizéssemos perceptíveis àqueles seres sofredores-enganados. Logo chegamos a um ponto em que Eugênia estacou, e logo pude notar, com minhas percepções psíquicas se adaptando a tamanha escuridão, que um grupo de homens de aspecto horrendo, semi-bestializado, que conversavam em tom cavernoso, em torno do que me pareceu um tronco de árvore secular decepado para servir de mesa e uma vela acesa no meio.
– Estamos fazendo o possível para incitar a matança. Acho que amanhã dá. Estamos perto de concretizar nosso intento.
– Braga, deixa de ser “boça”. Não ‘tá vendo que não vai dar?
Uma terceira figura, então, ponderou:
– Não vamos começar a discussão. Vocês sabem que temos que ser unidos. A força está na união.
Aquilo foi uma surpresa para mim: gênios das trevas falando em união, e confraternizando-se para fazer o mal, enquanto tanta gente que se diz disposta a fazer o bem não consegue formar equipes harmônicas para a realização de seus objetivos beneméritos. Eugênia, em acompanhando meus pensamentos, disse, com uma voz que ecoava em meu cérebro perispirítico:
– Pois é, meu filho. As curiosas ironias que, todavia, representam sementes de evolução no mal assumido, que despontará como bem consolidado. Eis porque grandes realizadores no bem costumam ter sido gênios do mal. Quem faz o mal plenamente costuma se fazer bom realizador no bem mais tarde, após a mudança profunda de caráter. Eis porque Jesus disse, pela boca de João, em Apocalipse: “Sede quentes ou frios. Eu vomito os mornos.” Essas concepções de bem demonstram, entres esses irmãos menos esclarecidos, aquilo que todas as religio-filosofias asseveram: não há mal absoluto no mundo humano, como da mesma forma, não há bem completamente puro na espécie humana. Somente em atingindo a angelitude, encontraremos condições íntimas de viver o bem impoluto.
A conversa dos gênios do mal prosseguia. Havíamos trocado aquelas “palavras”, em fração de segundos, pelo fio de transmissão instantâneo do pensamento, como blocos compactos de idéias.
– Eu dei um jeito de inspirar uma nova festa… daquelas bem barulhentas e com multidões apinhadas. Nosso trabalho vai ser bem mais fácil. Zezinho vai estar lá, armado…
Gargalhadas.
– Não vai ser difícil fazê-lo beber um pouco mais – exclamou outro.
– E Melissa?
– Claro que vai. Duas amiguinhas já a convenceram de ir.
– Você é um gênio, Roberto.
– Pois é, meu chapa!!! Vamos ter sangue novo na festa… vamos nos deliciar e nos fartar!!!
Estava perplexo, sem entender exatamente do que se tratava, embora tentasse fazer algumas deduções por conta própria. Eugênia, então, veio em socorro a minhas interrogações inaudíveis:
– São espécies de carniceiros astrais. Deglutem, ávidos, emanações energéticas específicas ao processo de desencarne violento, quando os mecanismos de transferência dimensional do espírito entram em colapso e as energias que seriam utilizadas, lentamente, no mecanismo de transpasse de um estado de Vida a outro, vazam copiosamente, sobretudo quando se trata de corpos jovens. A absorção dessas forças psíquicas de origem animal (do corpo dos encarnados em colapso) conferem, por um tempo determinado, de acordo com a quantidade ingerida desses “fluidos”, a ilusão de estarem encarnados. Esses seres, assim, não só costumam ficar à socapa, aguardando, em locais que propiciam crimes ou acidentes violentos que alguém morra de modo repentino e brusco,a para que atendam a seus apelos interiores primitivos, como também, quando já dotados de inteligência aguçada, como estes, planejam, às vezes, com minúcias impressionantes, “acidentes” e crimes passionais, para que se entreguem a sua paixão criminosa.
– Impressionante – disse de mim para comigo e para Ela.
– Mas isso não é o pior – respondeu a mentora. Siga-me.
Começamos a descer mais ainda… Agora, um frio me percorreu “a espinha”. O “clima” em torno estava ficando de macabro para pior… Eugênia me tranquilizou internamente. Ainda por pensamento, disse-me:
– Quero que acompanhe, por alguns minutos, à conversa de verdadeiros gênios das trevas. Esses que viu há pouco não passavam de criminosozinhos de pequena expressão do mundo astral. Vamos acessar agora, sem que eles percebam, gênios de fato diabólicos, que tramam ciladas para coletividades inteiras, a partir de ardis complexos e muito bem elaborados, que podem deflagrar sofrimentos em escala gigantesca.
Percebi que adentrávamos uma espécie de castelo sinistro, eu envolto no campo energético protetor de Eugênia. Em seu interior, em torno de uma távola de madeira, iluminados fracamente por archotes, homens de meia idade, de feições duras, cínicas e perversas, dialogavam com espantosa calma. Aquele que parecia o líder, dirigindo-se a outro, interrogava:
– Dr. Camilo, o que o Senhor tem a nos dizer sobre o Presidente?
– Não temos muitas chances, como Sua Excelência sabe. O Presidente costuma estar envolto na proteção dos anjos (com um ricto de desdém), pelo cargo que ocupa, mas tenho encontrado algumas brechas, volta e meia, para aturdir-lhe o pensamento com idéias pessimistas e de irritação, confundindo-lhe a clareza mental.
– Providenciou aquela nota na imprensa?
– Ó, sim, isso não foi difícil. Fulano (citou o nome de jornalista famoso) é facilmente acessível a nossas sugestões. Vai publicar mais um comentário maldoso a respeito de nossa presa. Vai ajudar no processo. Estou mobilizando mais de 30 agentes, dos nosso melhores. Dessa vez não vai falhar. A medida errada deverá ser inspirada efetivamente, no prazo de um mês no máximo, para desestabilizar mais o câmbio do país, gerando mal estar geral em todo território nacional e em todos os departamentos da Economia.
Todos sorriram, satisfeitos, fazendo acenos contidos de congratulação recíproca, mas com incrível moderação, como se tratasse de uma reunião solene e diplomática e estivessem tratando dos destinos da nação… para o bem.
– A novelista pode ser também inspirada?
– Não, há duas semanas não dá “espaço”.
– E o assessor dela? O tal do Rodrigozinho…
– Houve uma Providência de Cima (novo ar de desdém, só que com uma contração de ódio nos olhos) impediu nosso serviço.
– Não se esqueçam, Senhores, que o mais importante agora é instilarmos pessimismo, tristeza e revolta na nação. Quanto mais desespero, mais viciados, mais criminosos, mais teremos repasto para nossas organizações.
Nunca havia presenciado a uma reunião daquelas, embora soubesse de sua existência. Estava pasmo.
– Sim, meu filho – disse Eugênia, prestativa – mais do que imaginamos, tentam instilar o mal, pelas brechas do desânimo, do pessimismo aparentemente inteligente, das colocações debochadas contra o poder público constituído. Obviamente que o protesto, a crítica e a busca de melhoria geral são importantes, mas muitas vezes, intenções inconfessáveis estão embutidas por detrás da crítica mordaz, ácida, com o intuito deliberado de liquefazer instituições e impedir a evolução de processos democráticos importantes de melhoria da máquina estatal e do sistema sócio-econômico nacional como um todo. O mal, entretanto, em última análise, em vez de vencer, apenas aponta para fraquezas a serem corrigidas, e, portanto, acaba funcionando como um catalisador do progresso, ao intensificar o mal estar com as lacunas evolutivas existentes, seja em coletividades, seja em indivíduos. Eis porque, embora sob medida, certa permissão superior existe para que tais assaltos do mal ocorram sobre pessoas dignas: para que se tornem ainda mais dignas.
Nesse momento, Eugênia sorriu, perdi a visão de tudo que acontecia naquele castelo bizarro e medonho, enquanto notava que fazíamos uma celeríssima viagem de volta ao estado ordinário de consciência.
– Por hoje, meu filho, é o bastante. Publique essa experiência.
(Texto redigido em 4 de outubro de 2002.)
(*) Originalmente, esse texto foi publicado como mensagem para o domingo, ontem, 6 de outubro. Foi transferido para hoje. E a mensagem que seria agora trazida a lume está lá figurada. Para acessá-la, clique no canto esquerdo de sua tela, em “mensagens anteriores”.
(Nota do Médium).